segunda-feira, 26 de agosto de 2024

«assinatura pessoal, paraíso, listas » (Beauvoir)

 [alcançada a p. 125, hoje de manhã]

RECORTE(s)

     Além dos meus estudos, a literatura continuava a ser a grande paixão da minha vida. A mamã fornecia-se então na Biblioteca Cardinale, na Praça Saint-Sulpice. Uma mesa carregada de revistas e gazetas ocupava o centro de uma grande sala, de onde irradiavam corredores forrados de livros. Os clientes tinham o direito de por lá passear. Senti uma das maiores alegrias da minha infância no dia em que a minha mãe me anunciou que me oferecia uma assinatura pessoal. Plantei-me diante da tabuleta reservada às «Obras para a Juventude», onde se alinhavam centenas de volumes. «E isto tudo é meu?», disse, numa exaltação. A realidade ultrapassava os meus sonhos mais ambiciosos: diante de mim abria-se o paraíso até então desconhecido da abundância. Trouxe para casa um catálogo; ajudada pelos meus pais, fiz uma escolha entre as obras marcadas com um «J» e copiei uma lista; todas as semanas hesitava deliciosamente entre múltiplos desejos. Além disso, a minha mãe levava-me algumas vezes a uma pequena loja próxima da escola, a comprar romances ingleses: duravam, pois decifrava-os lentamente. [...]
[sublinhados acrescentados]

Simone de Beauvoir (1908-1986), Memórias de uma menina bem-comportada (1958), 2023, p. 83

terça-feira, 13 de agosto de 2024

Mercado Negro de Livros

  RECORTE (s) do Caderno materno:

   [...] Desde que atribuíram o Prémio Nobel a Soljenitsin pelos relatos das suas desventuras nos campos de trabalho da Sibéria, aqui anda toda a gente como louca a tentar conseguir um exemplar do livro. O Luís comprou a versão russa em Paris e há uma fila de pessoas à espera de que ele o empreste. Fazê-lo pode ser perigoso, porque o livro foi considerado propaganda antissoviética. Qualquer russo pode ser preso só por ter um exemplar na sua posse e nós poderíamos ser expulsos do país por permitirmos a sua leitura. Apesar de tudo, as pessoas estão dispostas a qualquer coisa para o conseguir. À entrada do que era antigamente o bairro chinês [...] surgiu um mercado clandestino de troca de cópias artesanais de livros proibidos, os chamados samizdat. [...]

Carmen Posadas, Gervasio Posadas, Hoje caviar, amanhã sardinhas [2008], 2024, p. 221