- outro poema do Livro (2022, «pós-pandémico») de M.a do Rosário Pedreira, 79 poemas em 3 Secções - (Meu-Teu-Meu) (Corpo);
dentes
Desmancha-se a casa do luto
entre lágrimas e memórias que
fazem rir e encontra-se de tudo:
retratos de trisavós com os seus
sorrisos retocados; cédulas de
nascimento e cadernetas escolares;
cartas ao Pai Natal e um cinzeiro
de loiça muito feio que diz que foi
roubado num hotel em Madrid;
santinhos; receitas; programas de
concertos; a quadra feliz de um
manjerico; recortes de jornais que
elogiam os filhos. Tudo matéria
descartável e que, assim mesmo,
será a mais disputada nas partilhas -
porque as jóias e as pratas nada valem
se comparadas com a suprema relíquia:
uma caixinha que cabe na concha da
mão, onde repousam, como pérolas
autênticas, todos os dentes de leite
que a fada, afinal, nunca veio buscar.
Maria do Rosário Pedreira, o meu corpo humano, 2022 (abril), p. 29